terça-feira, 20 de janeiro de 2009

..." Nesse dia amei-te, embora essa pessoa não fosses tu "...



Como poderei começar esta história? Pelo princípio, pelo começo, já que é no inicio que se constrói o caminho para um qualquer fim.
E se não houvesse um fim, mas apenas um voltar ao eterno começo?
Não sei que tipo de história é esta, nem que final irá ter, sei só que esta faz parte de mim, e como qualquer ilusão, como qualquer sonho, ainda hoje me deslumbra enquanto a escrevo.

Hoje é dia 20, são cinco da manhã, lá fora chove e eu estou aqui, neste lugar aonde sempre estive, lá fora o frio teima em me bater a porta e eu não o deixo entrar, escondo-me na minha velha cama procurando que este finalmente se esqueça de mim.

Enquanto sonho lembro-me, agora, de alguém.
Quem é ela que me parece tão perto, mesmo quando está ausente e tão longe?
Será está uma história vulgar?, uma qualquer historia repleta de tristeza ou de amor?
Nestes instantes em que me escondo do frio é dela que me lembro.
Mas será que ela se lembra de mim?

Na minha mente surgem palavras soltas ao acaso, mas eu não me importo.
Lembro-me do seu sorriso e da sua voz.
Solto as memórias enquanto inalo mais uma vez o seu perfume que teima em permanecer nas minhas mãos.

Lembro-me do dia em que nos encontrámos, foi ao principio da noite, e sem nunca nos termos visto já sabíamos quem éramos e o que um dia iriamos ser.
Lembro-me de caminhar sozinho pela escarpa de uma praia tão vulgar como tantas outras, mas aonde ainda permanecia vincado o eco dos pregões do homem das bolas de berlim, a ultima excursão dos reformados, e as brincadeiras das crianças que sob o olhar atento dos pais que naqueles breves momentos procuram apenas esquecer que elas existem, mergulhados num sabor a pequenas férias tiradas à pressa com a família e para a família.
Lembro-me daquele mês, daquela praia, em que alguns jovens optaram por deixar, durante alguns dias, os seus pais para trás e procuravam junto de alguns familiares, não tão próximos, uns dias diferentes em que fossem apenas eles.

Quanto a mim já há algum tempo que tinha deixado ficar para trás o dia que seria igual ao dia da manhã seguinte, há algum tempo que tinha tirado umas férias de mim mesmo.

Foi nesse dia que te vi pela primeira vez, nos olhos de alguém que não eras tu, e percebi que já faltava pouco para que nos encontrássemos.
Vi nesses olhos que não eram os teus, que tu poderias amar-me, que me deixarias colocar a minha cabeça no teu ombro e chorar um pouco se tal me apetecesse, mesmo podendo eu não ter vontade de o fazer, sabia que o poderia fazer se o quisesse.
Nesse dia senti o inebriante cheiro do corpo, nesse outro corpo que não era o teu, e senti que poderia amar-te pelo simples facto de poder contar-te os meus segredos sem que tu ousasses perguntar o porque de tal ousadia.

Sabes, nesse dia amei-te, embora essa pessoa não fosses tu...

Paro um pouco e bebo mais um golo de chá que está cada vez mais frio e amargo, enquanto o frio que permanece lá fora assusta e cria caras horríveis nas pessoas que passam e se tentam esconder dentro dos seus casacos e cachecóis.
Sabes, hoje descubro que gosto do Inverno.

Aproveito esta pausa e busco por mais alguma memória, nesta minha cabeça um pouco cansada. Sempre gostei de procurar, vasculhar onde ninguém procura, e conseguir esconder as minhas poucas coisas bem lá no fundo de mim. Por vezes de tal forma escondidas que nem eu mesmo consigo encontrá-las, e assim fiz contigo, durante anos escondi-te bem escondida, num lugar seguro e sem nome, de tal forma que me esqueci de ti, esqueci-me de te amar, de que existias, esqueci-me do significado desse sentimento, esqueci-me de como seria bom acordar ao teu lado, de conseguir um afago da tua mão na minha face, esqueci-me do sabor dos teus beijos, da forma simples e ao mesmo tempo profunda e magnetizante quando me chamavas de “meu querido”, esqueci-me de mim, de ti, de nós, esqueci-me de viver…

Mas por quanto tempo?
Como é possível sentir, ou desejar algo, e não fazer uso dos nossos sentidos mais básicos?

Gostaria de o saber explicar, mas na realidade não o sei fazer, sei que apenas se faz assim, e que foi assim que o fiz.

Amei-te e desejei-te em tão grande devoção e silêncio que nem me apercebi que o fazia, que me escondia de mim mesmo, nessa vida dupla, que me obrigava a continuar cada dia como se nada fosse.

Mas quando te conheci, o teu nome não era o mesmo de agora, mas um outro qualquer, Cristina, Maria, Joana, Carla, qualquer um destes ou outros tantos mais, nos quais te via e quando te procurava tocar mais longe surgias e cada vez mais intocável ainda, mesmo que por momentos senti que existias dentro de mim.

Talvez por isso, pouco a pouco, deixei de te procurar, mas com a chegada do Inverno foste tu que me procuraste…

Este chá esta cada vez mais frio e amargo, como esta minha historia, como aquela minha vida.
Efectivamente lembro-me de muitas coisas, mas hoje só quero me recordar de ti, mas enquanto o tempo passa, os ponteiros do relógio que um dia me irás oferecer teimam em não parar, talvez porque tu estejas cada vez mais perto…






Rodrigo Leão - " Voltar "


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