sábado, 8 de maio de 2010

... " Há sempre um dia " ... 4/5/2008


Naquele ultimo ano tudo foi muito complicado. Há muito que tínhamos deixado de ser aquele casal quase perfeito, com um casamento quase perfeito, na realidade só aos olhos dos outros algumas vezes fomos o casal perfeito.

Pouco a pouco fomos dando largos passos para o protótipo de casal cujo único idilio era sobreviver a cada final de dia, sem nos queimar no magma provocado pela reciprocidade do ódio que gentilmente mantínhamos um pelo outro. Desta forma eu tentava evitar que as feridas abertas e incuráveis nos afastassem para sempre.

Eu saia de casa e não queria voltar a entrar, não queria voltar a ouvir uma mentira para justificar a hora tardia a que ela chegava a casa, por mais repugnante e triste que isso me possa hoje parecer.

Certo dia a discussão foi tal, que após ter sido insultado durante mais de duas horas, eu quase cheguei a vias de facto. Depois de atingir a porta do quarto com um violento golpe de punho fechado, aproximei-me dela e com a minha mão esquerda agarrei-a pelo braço direito, enquanto levantava a minha direita, bem aberta e ainda quente do golpe anterior... mas nada aconteceu... fui impelido a não cometer aquela loucura por algo que ainda hoje não consigo explicar, mas que na realidade agarrou na minha mão e a fez permanecer imóvel, e suspensa no ar... não sei o que me passou pela cabeça.


Ambos nos olhamos nos olhos, sem saber qual seria o passo seguinte. Ao ver a minha frustração ela soltou, mais uma vez, toda a sua irá e tentou agredir-me, enquanto me insultava e provocava na tentativa de que eu perde-se a cabeça.


Eu não a queria magoar..., eu não me queria magoar... mas já era tarde de mais para isso.


Nesse dia eu sai porta fora, era meio da tarde de um domingo solarengo, era dia da mãe. mas se na rua fazia um calor agradável, dentro de mim chovia tanto que era quase impossível vislumbrar as marcas que separavam a minha vida daquela decisão.


Apanhei um táxi e pedi ao condutor que conduzisse sem destino até que eu lhe dissesse o contrário. Ele não fez qualquer pergunta, apenas engrenou a primeira velocidade e iniciou a marcha do veiculo pelas ruas, sem rumo, sem destino.


Tinha a alma completamente molhada, estava cansado, a decepção tinha-se apoderado do sangue que me corria nas veias. Sentia-me intoxicado pelo tipo de vida que levava. Cada dia me sentia um homem repugnante, nefasto, transviado. Na realidade não conhecia aquele animal, aquele ser que vivia dentro de mim, e nesse momento pensei... "Quero-te fora de mim...! " .


Estava tão revoltado que mandei o taxista parar o carro. Abri a porta rapidamente, e sem ter tempo para escolher o sitio adequado, vomitei violentamente para cima de um pára-choques de um carro ali estacionado.


Estava agora ali debruçado enquanto dentro de mim uma voz dizia que " por mais que o meu casamento se afundasse nesse oceano de incertezas, para as quais não havia salvação, ela não tinha o direito de te fazer o que sempre fez. "


O taxista não dizia uma palavra, mantinha o táxi parado ao meu lado. Nem sequer saiu do veiculo para saber se eu estava bem. Levantei-me e vi que estava-mos perto de um bar que era comentado por ser bem frequentado. Fechei a porta do táxi, paguei o que devia e caminhei pelo passeio, como se este fosse o único trilho que me pode-se levar a minha nova morada.


Atravessava as ruas sem olhar para nenhum dos lados, não ouvia o barulho dos meus passos, nem da cidade que me rodeava, apenas via os olhos dos meus filhos, fixados em mim, como se eu fosse um ser aberrante, na expectativa de que eu encontra-se uma solução e os leva-se comigo.


Nesse dia entendi que por vezes o mundo cai nas nossas costas sem o que possamos mais suster, esse mundo onde o amanhã nos obriga a sacrificar tudo o que ficou para trás, tudo o que foi bom, mas também tudo aquilo que há muito o deixou de ser.


Há sempre um dia em que a alma diz "BASTA!", há sempre um dia que acordamos fartos de viver o que ainda não vivemos, e acima de tudo queremos fugir do que já vivemos, fugir de nós, fugir de tudo e de todos...


Há sempre um dia...

2 comentários:

F: disse...

LINDO o que escreves, mas também muito forte.
Forte o sentimento que também já senti, passei, que me tirou a fome e o sono durante dias, e, tal como muito bem dizes:
"Há sempre um dia em que a alma diz "BASTA!", há sempre um dia que acordamos fartos de viver o que ainda não vivemos, e acima de tudo queremos fugir do que já vivemos, fugir de nós, fugir de tudo e de todos...".
FORÇA e um Abraço apertado

Anónimo disse...

É impossivel escrever o que se sente, ao ler as tuas palavras....são demasiado intensas, demasiado profundas e sofredoras. Um ano depois, espero que tenhas conseguido ser aquilo que sabes que de facto está aí dentro. Um bj. MS