Hoje,
Poucas imagens me retem desses dias, dessas noites, dessas infindáveis noites.
Numa dessas noites enquanto passeio, sem rumo, de carro estendo a mão fora da janela ao vento, sinto o crescente silêncio à volta do zumbido do vento.
Nesse dia, a semelhança dos últimos dias, vou triste por aquele asfalto.
Estou cada vez mais triste.
Estou infinitamente só comigo mesmo.
Revejo nesses momentos os últimos anos que passei junto a mim numa intimidade pura e absoluta, sem passagens, sem afectos ou palavras, só num silêncio frio e escuro.
Nesse instante penso em ti.
Nesse instante há um pássaro que se move dentro de mim.
Quando penso em ti, regresso devagar e sinto no peito ainda o sangue da tua última morada, dessa tua cama de pinho aonde não há, nem nunca poderia haver imagens, ou um rosto de felicidade. Só esta escuridão negra feita de veludo.
Dentro da minha cabeça, porque já não possuo recordações desse tempo, só persiste o som da música que passa no rádio, e realmente só agora noto que trago o rádio ligado, sorrio.
Hoje vou triste por este asfalto, apago a música, e acelero o carro na ânsia que este se envolva na noite.
São três da manhã e eu não existo, já que estou dentro de mim, infinitamente dentro de mim, abraçado a mim, recolhido em mim.
Sim, apago o rádio e escuto o barulho do motor do carro, e a música continua dentro de mim. Dentro de mim permanece essa poesia sofrida e silenciosa, tal como a chuva fria que agora cai na estrada.
Nesse instante eu desaprendo o valor dos sentidos, do silêncio, das imagens, eu desaprendo tudo, e fico só, sem imagens, sem amigos, sem ninguém.
Volto para casa, e ao chegar, junto ao muro, escuto lá longe, muito longe o som do motor de um carro, o barulho da minha respiração já que eu cada vez existo menos. Subtraio-me à habilidade de falar contigo, e opto por me fechar mais uma vez dentro de mim, mas sem mim, sem ninguém.
Quando chego ao quarto vazio acrescento-lhe a minha ausência e adormeço. Embora eu não saiba, a verdade é que nesses momentos apago as imagens do cansaço das minhas mãos.
Desdobro os lençóis brancos, à luz da lâmpada que um fio teima em suspender no tecto, e nesse instante penso em ti, e chego a ter saudades tuas, mas rapidamente se propaga o escuro dentro dos meus olhos, e opto por fazer entrar as sombras para dentro do meu corpo, já que agora pouco me importa a fome, ou o relento do meu sono cercado pela imensidão dos dias.
Ontem só tu me salvaste.
Ontem tu deste um colorido a esse dia,
Deste uma imagem,
Uma historia,
Uma palavra,
Uma luz,
Uma vida,
Um novo tempo a esse tempo que hoje desejo ter.
1 comentário:
Eu costumo dizer que a vida é feita de sonhos, esperança e coragem.
Coragem para continuar, mesmo depois de aqueles que amamos nos terem deixado...
Bonitas palavras, com muito sentimento.
Gostei muito.
Maria
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