domingo, 8 de fevereiro de 2009

" Duas rosas "



Hoje,
Despedi-me do vento e de todos aqueles momentos que me deram a ilusão de que nunca poderia voltar a ser feliz.

O barulho da porta a bater ressoou durante meses nos meus ouvidos, aquela não era apenas uma porta que se fechava, mas uma passagem que escondia algo mais do que uma pequena e triste casa vazia.
Cá fora, o dia estava triste e cinzento, talvez a pronunciar uma chuva que poderia começar a cair a qualquer momento.

No primeiro dia que pisei os tacos de madeira daquele Hall de entrada, decidi que aquela seria definitivamente a minha casa.

A minha casa, o meu refugio.

Um quarto com uma cama velha e um guarda fatos, uma modesta casa de banho, com uma divisão intermédia que gentilmente apelidei de cozinha, já que na divisão contígua se encontrava a sala, embora repleta de coisas obsoletas e inúteis.
A casa tinha apenas uma varanda que ocupava toda as traseiras da mesma, mas era a partir dela que espreitei as folhas das árvores que cresciam em catadupa no telhado de fibrocimento das garagens de fronte.

Naquele quarto pensei, noites a fio, nos meus três filhos, nas lembranças violadas e nas expectativas desfeitas.
Quando deixei a outra casa, trouxe comigo a roupa que tinha no momento sob o corpo, a chave do carro e a memória de um vosso sorriso a inundar-me o rosto de felicidade.

Nunca tivemos a harmonia familiar que eu tanto desejei, nem a cumplicidade de dois seres que se desejam infinitamente.
Parti dessa casa e da ideia que um dia tinha de ti.
A memória que hoje me presto a perder traz-me a sensação de que não vivi, simplesmente percorri uma estrada repleta de pó até uma qualquer feira aonde os feirantes se amontoam e acotovelam na vã ansia de conseguir mais um cliente, de realizarem mais uma venda….

Hoje vou comprar duas rosas e lembrar-me de ti, desejo que finalmente tenhas encontrado a serenidade que tanto procuras-te, mas longe de uma qualquer recordação fresca como estas rosas que o vendedor embrulha sob um papel de seda verde.

Escolhi estas duas rosas com a mesma precisão que escolhi aquelas que te ofereci faz hoje alguns anos, não sei com precisão quantos.
Nesse dia disse-te que seríamos simplesmente um do outro e que ninguém se intrometeria entre nós, tu assentiste e eu ingenuamente acreditei.
A escolha das rosas, em boa verdade, foi meramente arbitrária pois era a única flor que naquele dia ainda subsistia na florista.
Pensavas tu que tinha sido propositado, que já adivinhava os teus gostos, deixei que te enganasses a ti própria e escondi dentro de mim esta triste verdade.

O vendedor insiste que me enganei no troco, que lhe dei dinheiro a mais, obediente limito-me a pedir desculpa e agradeço.
O homem sorri, um sorriso franco como quem confirma a sua honestidade, e deseja-me um simpático bom dia.

A estrada que agora percorro, o vento que rapidamente corto, o horizonte que vislumbro ao longe por detrás de uma casa…

Sabes que se cheguei em tempos quase sempre atrasado, hoje não o farei, pois o tempo que nós resta já não é muito e agora quero aproveitá-lo, particularmente hoje que é o dia do nosso aniversário e sei que vais estar particularmente bonita.

Hoje,
Colocarei estas duas rosas sob a pedra branca e fria que cobre o teu novo lar, a tua nova casa…, e dirte-ei que o fim alucinante desta viagem, permitiu-me de novo embarcar no âmago da minha existência e dos meus pensamentos.
Que é magnífico ter a serenidade necessária para poder recordar os melhores e piores momentos que vivemos a dois, já que hoje as minhas mãos não tremem nem ficam levemente húmidas de ansiedade.

Hoje,
Ao fim do dia partirei, com a clara sensação que muitas palavras foram amavelmente trocadas.

1 comentário:

Maria disse...

Pareces ser um homem com um espírito brilhante, um enorme talento para a escrita e um coração imenso, mas triste.
Gostei muito das tuas palavras e tudo o que elas dizem.
Bom fim de semana.