quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

" Hoje comi Pataniscas de Bacalhau... "



Recordo-me, de uma forma quase saudosista, aqueles tempos de menino em que ia em excursões com os meus avós paternos.

Nesses dias a minha avó Maria fazia aquilo que melhor sabia fazer e que segundo esta mais fácil era confeccionar para a refeição do passeio em causa, tenho para mim a ideia que a minha Avó só fazia aquele prato porque efectivamente queria agradar ao meu Avô Domingos.

É verdade estou-vos a falar da bela, saborosa e sumptuosa Patanisca de Bacalhau.

Volvidos muitos anos, e agora sem o ritmo desenfreado de uma qualquer excursão, nem com os odores e as musicas que tradicionalmente se escutam nas mesmas, dei hoje, quase inesperadamente, por mim a me travar de amores com a dita patanisca.

Já não acompanhada por uma salada de feijão-frade, mas sim por um arroz de feijão “bem caprichado”, acompanhado por um Cabriz branco estupidamente gelado.

Quanto a companhia, hoje já não havia o rádio a tocar as musicas pimbas da ocasião, havia sim a simpatia, a magia e muita cumplicidade no ar,… mas quanto a isso reservo-me no direito de só vós presentear com essa historia noutra ocasião.

Mas para os curiosos aqui fica a receita da minha Avozinha.

Ingredientes:
• 2 Postas Bacalhau demolhado
• Salsa picada q.b.
• 1 Cebola picada
• 2 dentes alho picados
• 3 Ovos• 100g Farinha
• 2 Cl.sopa Cerveja branca
• 1 Cl. sopa Azeite
• Sal q.b.
• Pimenta q.b.
• Óleo q.b.

Modo de fazer:
Cozer o bacalhau e depois retirar a pele, espinhas e desfiá-lo.
Misturar as gemas com o azeite, a cerveja, o sal e a pimenta e bater bem.
À parte bater as claras em castelo e adicionar ao preparado anterior.
Adicionar por fim a farinha e bater lentamente, até a massa estar homogénea.
Juntar o bacalhau, a cebola, o alho, e a salsa.
Mexer para a massa envolver bem todos os ingredientes.
Fritar, numa frigideira com óleo, formando a massa com uma colher de sopa.
Quando as pataniscas estiverem douradas de ambos os lados, escorrê-las sobre papel absorvente.
P.S. - Bom Apetite!!

domingo, 22 de fevereiro de 2009

" Serenata de amor "



















Hoje,
Acordei com aquela sensação fantástica, e inebriante, de felicidade.
De repente, quase que inesperadamente, dei por mim a pensar em ti,
A pensar num dia que é só nosso.
A pensar que a final nós sempre existimos…






Faz hoje, precisamente,
Não sei quantas horas, dias, meses, ou anos …
Em que as nossas vidas se cruzaram,
Em que por uma fracção de segundos ambos optamos por nos tocar,
Por nos abrir ao mundo,
E talvez por isso podemos afirmar
Que hoje faz …






Talvez,
Pela particularidade deste dia
Achei que te devia presentear com algo.
Tarefa árdua para um simples mortal como eu.
- O que oferecer a alguém, que aparentemente tudo possui?.






Mas,
Se a ideia, já rabiscada, de uma peça de Lingerie,
Ou um ramo de flores
Me aflui-o por alguns instantes a mente.





A verdade,
É que hoje te vou presentear com algo particularmente simples,
Com algo que os teus apurados sentidos já mais se esqueceram.






Hoje,
Vou-te presentear com uma serenata de amor.
Porque, hoje eu sei que vale a pena.
Porque, hoje eu sei que valeu a pena.
Porque, hoje eu te digo,.
Porque, mais uma vez, te digo
- Obrigado por existires!.


























sábado, 21 de fevereiro de 2009

" Versos de Amor " - Perfume

Às onze e meia, saiu para a rua,

Com o seu fato domingueiro,

Dormindo a aldeia, brilhando a lua,

Num céu de estrelas, conselheiro

Coração quente, firme e demente,

À sua porta então chamou

E abriu-se a janela e só para ela,

Triste, cantou...

Versos de amor,

Lindos esses versos de amor

Que fizera em segredo,

A sonhar, quase a medo,

Um viver tentador.

A sua vida por uns versos de amor,

Lindos esses versos de amor

Na mais terna amargura,

O silêncio murmura uma história de amor

A noite imensa, foi mais rainha,

Quando uma lágrima caiu,

Na recompensa, o amor que tinha,

Ela também chorou, sorriu

Foi tão bonito, tinham-lhe dito,

Que amar ás vezes faz doer,

Mas a dor que sentia,

Não lhe doía, dava prazer...

Versos de amor,

Lindos esses versos de amor

Que fizera em segredo,

A sonhar, quase a medo,

Um viver tentador.

A sua vida por uns versos de amor,

Lindos esses versos de amor

Na mais terna amargura,

O silêncio murmura uma história de amor

Letra e Musica: Carlos Paião.

" Intervalo " - Perfume

Vida em câmara lenta,

Oito ou oitenta,

Sinto que vou emergir,

Já sei de cor todas as canções de amor,

Para a conquista partir.

Diz que tenho sal,

Não me deixes mal,

Não me deixes

No livro que eu não li,

No filme que eu não vi,

Na foto onde eu não entrei,

Noticia do jornal

O quadro minimal

Sou eu


Vida á média rés,

Levanta os pés

Não vás em futebois, apesar

Do intervalo, que é quando eu falo,

Para não me incomodar.

Diz que tenho sal,

Não me deixes mal,

Não me deixes

No livro que eu não li,

No filme que eu não vi,

Na foto onde eu não entrei,

Noticia do jornal

O quadro minimal

Sou eu

Não me deixes na

Historia que não terminou

Não me deixes

No livro que eu não li,

No filme que eu não vi,

Na foto onde eu não entrei,

Noticia do jornal

O quadro minimal

Sou eu

No livro que eu não li,

No filme que eu não vi,

Na foto onde eu não entrei,

Noticia do jornal

O quadro minimal

Sou eu

" A Carta " - Toranja

Não falei contigo com medo que os montes e vales que me achas caíssem a teus pés. Acredito e entendo que a estabilidade lógica de quem não quer explodir faça bem ao escudo que és. Saudade é o ar que vou sugando e aceitando como fruto de Verão nos jardins do teu beijo. Mas sinto que sabes que sentes também que num dia maior serás trapézio sem rede a pairar sobre o mundo em tudo o que vejo.

É que hoje acordei e lembrei-me que sou mago feiticeiro,que a minha bola de cristal é folha de papelnela te pinto nua, nuanuma chama minha e tua

Desconfio que ainda não reparaste que o teu destino foi inventado por gira-discos estragados aos quais te vais moldando... E todo o teu planeamento estratégico de sincronização do coração são leis como paredes e tectos cujos vidros vais pisando... Anseio o dia em que acordares por cima de todos os teus números raízes quadradas de somas subtraídas sempre com a mesma solução... Podias deixar de fazer da vida um ciclo vicioso harmonioso ao teu gesto mimado e à palma da tua mão...

É que hoje acordei e lembrei-me que sou mago feiticeiro que a minha bola de cristal é folha de papel nela te pinto nua, nua numa chama minha e tua numa chama minha e tua.

Desculpa se te fiz fogo e noite sem pedir autorização por escrito ao sindicato dos Deuses, mas não fui eu que te escolhi. Desculpa se te usei como refúgio dos meus sentidos pedaço de silêncios perdidos que voltei a encontrar em ti.

É que hoje acordei e lembrei-me que sou mago feiticeiro (...) nela te pinto nua, nua numa chama minha e tua numa chama minha e tua.

Ainda magoas alguém. O tiro passou-me ao lado. Ainda magoas alguém…

Se não te deste a ninguém magoaste alguém. A mim, passou-me ao lado. A mim, passou-me ao lado…

" Só nós dois " - Tiago Bettencourt

"Só nós dois"


Só nós dois é que sabemos
O quanto nos queremos bem
Só nós dois é que sabemos
Só nós dois e mais ninguém
Só nós dois avaliamos
Este amor, forte, profundo...
Quando o amor acontece
Não pede licença ao mundo


Anda, abraça-me... beija-me
Encosta o teu peito ao meu
Esqueça o que vai na rua
Vem ser meu, eu serei tua
Que falem não nos interessa
O mundo não nos importa
O nosso mundo começa
Ca; dentro da nossa porta.

Só nós dois é que sabemos
O calor dos nossos beijos
Só nós dois é que sofremos
As torturas dos desejos
Vamos viver o presente
Tal-qual a vida nos dá
O que reserva o futuro
Só Deus sabe o que será.


Joaquim Pimentel

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

" Ella Y Yo hacámos el amor diariamente "


Ella y yo hacíamos el amor diariamente.
En otras palabras,
Los lunes, los martes y los miércoles
Hacíamos el amor invariablemente...
Los jueves, los viernes, y los sábados,
Hacíamos el amor igualmente...
Por ultimo los domingos
Hacíamos el amor religiosamente.
Hacíamos el amor compulsivamente.
Lo hacíamos deliberadamente.
Lo hacíamos espontáneamente.
Hacíamos el amor por compatibilidad de caracteres,
Por favor, por supuesto, por teléfono,
De primera intención y en ultima instancia
Por no dejar y por si acaso,
Como primera medida y como ultimo recurso.
Hicimos el amor por osmosis y por simbiosis:
Y a eso le llamábamos hacer el amor científicamente
Pero también hicimos el amor yo a ella y ella a mi:

Es decir, recíprocamente.
Cuando ella quedaba a la mitad de un orgasmo
Y yo con el miembro convertido en un músculo fláccido no podía llenarla
Entonces hacíamos el amor lastimosamente.
Lo cual no tiene nada que ver con las veces en que yo me
Imaginaba que no iba a poder, y no podía,
Y ella pensaba que no iba a sentir, y no sentía,
O bien estábamos tan cansados y tan preocupados que ninguno de
Los dos alcanzaba el orgasmo.
Decíamos entonces
Que habíamos hecho el amor aproximadamente.
O bien a ella le daba por recordar las ardillas que el tío
Esteban le trajo de Wisconsin
Que daban vueltas como locas en sus jaulas olorosas a creolina
Y yo por mi parte recordaba la sala de la casa de los abuelos
Con sus sillas vienesas y sus macetas de rosas,
Esperando la eclosión de las cuatro de la tarde...
Así era como hacíamos el amor nostálgicamente
Viniéndonos mientras nos íbamos tras viejos recuerdos.
Muchas veces hicimos el amor contra natura,
A favor de natura, Ignorando a natura.
O de noche con la luz encendida,
O de día con los ojos cerrados.
O con el cuerpo limpio y la conciencia sucia,
O viceversa. Contentos, felices, dolientes, amargados,
Con remordimientos y sin sentido.
Con sueño y con frío,
Y cuando estábamos conscientes de lo absurdo de la vida,
Y de que un día nos olvidaríamos el uno del otro,
Entonces hacíamos el amor inútilmente.
Para envidia de nuestros amigos y enemigos,
Hacíamos el amor ilimitadamente, magistralmente, legendariamente.
Para honra de nuestros padres, hacíamos el amor moralmente.
Para escándalo de la sociedad, hacíamos el amor ilegalmente.
Para alegría de los psiquiatras, hacíamos el amor sintomáticamente.
Hacíamos el amor físicamente, De pie y cantando,
De rodillas y rezando, acostados y soñando.
Y sobre todo,
Y por la simple razón
De que yo lo quería así
Y ella también,
Hacíamos el amor...voluntariamente.



Fragmento de Palinuro de México - Fernando del Paso
Publicista, locutor da BBC, diplomata, pintor, poeta nacido na cidade do México
Fragmento da sua novela Palinuro de México (1977).

Palinuro de México:
" es un vasto homenaje rabelesiano al cuerpo y a las funciones proliferantes y vitales de la imaginación."

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

..." Um dia " ...



Um dia.


Um dia conto-te um segredo mas preciso do teu silêncio em troca, apenas para que me possas ouvir só a mim.


Um dia conto-te um segredo se te aproximares um pouco mais e te sentares perto de mim, bem juntinho a mim.


Um dia conto-te um segredo desde que não me faças perguntas depois, que não questiones o meu sentir.



Um dia conto-te um segredo se não prometeres guardá-lo, escondido, bem no fundo de ti.


Um dia conto-te um segredo que talvez te roube uma lágrima, um sorriso, ou um simples afago de mão no meu rosto.


Um dia conto-te um segredo se tu optares por não me contares os teus segredos.


Um dia conto-te um segredo mas depois não queiras explicações sobre o mesmo, não me peças para te dizer o porque das coisas nem censures qualquer dos meus actos.

Um dia conto-te um segredo com as minhas mãos pois não sei se conheço as palavras certas, ou se saberei dizê-las.
Um dia conto-te um segredo, o meu mais puro e intimo segredo, desde que depois não te recuses a partir de junto de mim.

Um dia conto-te um segredo, e depois dir-te-ei que já fui o adolescente mais rico, o homem mais feliz deste nosso mundo.

Um dia conto-te um segredo, e nesse dia tua saberás que eu acreditei, que nesse dia achei que valia a pena.
Um dia conto-te um segredo, e dirte-ei que eu não tive medo, que eu não tenho medo...
Um dia conto-te um segredo...

domingo, 8 de fevereiro de 2009

" Um novo tempo "

Hoje,
Poucas imagens me retem desses dias, dessas noites, dessas infindáveis noites.

Numa dessas noites enquanto passeio, sem rumo, de carro estendo a mão fora da janela ao vento, sinto o crescente silêncio à volta do zumbido do vento.
Nesse dia, a semelhança dos últimos dias, vou triste por aquele asfalto.
Estou cada vez mais triste.
Estou infinitamente só comigo mesmo.
Revejo nesses momentos os últimos anos que passei junto a mim numa intimidade pura e absoluta, sem passagens, sem afectos ou palavras, só num silêncio frio e escuro.


Nesse instante penso em ti.

Nesse instante há um pássaro que se move dentro de mim.
Quando penso em ti, regresso devagar e sinto no peito ainda o sangue da tua última morada, dessa tua cama de pinho aonde não há, nem nunca poderia haver imagens, ou um rosto de felicidade. Só esta escuridão negra feita de veludo.
Dentro da minha cabeça, porque já não possuo recordações desse tempo, só persiste o som da música que passa no rádio, e realmente só agora noto que trago o rádio ligado, sorrio.
Hoje vou triste por este asfalto, apago a música, e acelero o carro na ânsia que este se envolva na noite.


São três da manhã e eu não existo, já que estou dentro de mim, infinitamente dentro de mim, abraçado a mim, recolhido em mim.


Sim, apago o rádio e escuto o barulho do motor do carro, e a música continua dentro de mim. Dentro de mim permanece essa poesia sofrida e silenciosa, tal como a chuva fria que agora cai na estrada.
Nesse instante eu desaprendo o valor dos sentidos, do silêncio, das imagens, eu desaprendo tudo, e fico só, sem imagens, sem amigos, sem ninguém.
Volto para casa, e ao chegar, junto ao muro, escuto lá longe, muito longe o som do motor de um carro, o barulho da minha respiração já que eu cada vez existo menos. Subtraio-me à habilidade de falar contigo, e opto por me fechar mais uma vez dentro de mim, mas sem mim, sem ninguém.


Quando chego ao quarto vazio acrescento-lhe a minha ausência e adormeço. Embora eu não saiba, a verdade é que nesses momentos apago as imagens do cansaço das minhas mãos.
Desdobro os lençóis brancos, à luz da lâmpada que um fio teima em suspender no tecto, e nesse instante penso em ti, e chego a ter saudades tuas, mas rapidamente se propaga o escuro dentro dos meus olhos, e opto por fazer entrar as sombras para dentro do meu corpo, já que agora pouco me importa a fome, ou o relento do meu sono cercado pela imensidão dos dias.


Ontem só tu me salvaste.
Ontem tu deste um colorido a esse dia,
Deste uma imagem,
Uma historia,
Uma palavra,
Uma luz,
Uma vida,
Um novo tempo a esse tempo que hoje desejo ter.

" Duas rosas "



Hoje,
Despedi-me do vento e de todos aqueles momentos que me deram a ilusão de que nunca poderia voltar a ser feliz.

O barulho da porta a bater ressoou durante meses nos meus ouvidos, aquela não era apenas uma porta que se fechava, mas uma passagem que escondia algo mais do que uma pequena e triste casa vazia.
Cá fora, o dia estava triste e cinzento, talvez a pronunciar uma chuva que poderia começar a cair a qualquer momento.

No primeiro dia que pisei os tacos de madeira daquele Hall de entrada, decidi que aquela seria definitivamente a minha casa.

A minha casa, o meu refugio.

Um quarto com uma cama velha e um guarda fatos, uma modesta casa de banho, com uma divisão intermédia que gentilmente apelidei de cozinha, já que na divisão contígua se encontrava a sala, embora repleta de coisas obsoletas e inúteis.
A casa tinha apenas uma varanda que ocupava toda as traseiras da mesma, mas era a partir dela que espreitei as folhas das árvores que cresciam em catadupa no telhado de fibrocimento das garagens de fronte.

Naquele quarto pensei, noites a fio, nos meus três filhos, nas lembranças violadas e nas expectativas desfeitas.
Quando deixei a outra casa, trouxe comigo a roupa que tinha no momento sob o corpo, a chave do carro e a memória de um vosso sorriso a inundar-me o rosto de felicidade.

Nunca tivemos a harmonia familiar que eu tanto desejei, nem a cumplicidade de dois seres que se desejam infinitamente.
Parti dessa casa e da ideia que um dia tinha de ti.
A memória que hoje me presto a perder traz-me a sensação de que não vivi, simplesmente percorri uma estrada repleta de pó até uma qualquer feira aonde os feirantes se amontoam e acotovelam na vã ansia de conseguir mais um cliente, de realizarem mais uma venda….

Hoje vou comprar duas rosas e lembrar-me de ti, desejo que finalmente tenhas encontrado a serenidade que tanto procuras-te, mas longe de uma qualquer recordação fresca como estas rosas que o vendedor embrulha sob um papel de seda verde.

Escolhi estas duas rosas com a mesma precisão que escolhi aquelas que te ofereci faz hoje alguns anos, não sei com precisão quantos.
Nesse dia disse-te que seríamos simplesmente um do outro e que ninguém se intrometeria entre nós, tu assentiste e eu ingenuamente acreditei.
A escolha das rosas, em boa verdade, foi meramente arbitrária pois era a única flor que naquele dia ainda subsistia na florista.
Pensavas tu que tinha sido propositado, que já adivinhava os teus gostos, deixei que te enganasses a ti própria e escondi dentro de mim esta triste verdade.

O vendedor insiste que me enganei no troco, que lhe dei dinheiro a mais, obediente limito-me a pedir desculpa e agradeço.
O homem sorri, um sorriso franco como quem confirma a sua honestidade, e deseja-me um simpático bom dia.

A estrada que agora percorro, o vento que rapidamente corto, o horizonte que vislumbro ao longe por detrás de uma casa…

Sabes que se cheguei em tempos quase sempre atrasado, hoje não o farei, pois o tempo que nós resta já não é muito e agora quero aproveitá-lo, particularmente hoje que é o dia do nosso aniversário e sei que vais estar particularmente bonita.

Hoje,
Colocarei estas duas rosas sob a pedra branca e fria que cobre o teu novo lar, a tua nova casa…, e dirte-ei que o fim alucinante desta viagem, permitiu-me de novo embarcar no âmago da minha existência e dos meus pensamentos.
Que é magnífico ter a serenidade necessária para poder recordar os melhores e piores momentos que vivemos a dois, já que hoje as minhas mãos não tremem nem ficam levemente húmidas de ansiedade.

Hoje,
Ao fim do dia partirei, com a clara sensação que muitas palavras foram amavelmente trocadas.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

" Feminina "



Eu queria ser mulher pra me poder estender
Ao lado dos meus amigos, nas banquettes dos cafés.
Eu queria ser mulher para poder estender
Pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés.

Eu queria ser mulher pra não ter que pensar na vida
E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro
-Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro
A falar de modas e a fazer «potins» - muito entretida.


Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios
E aguçá-los ao espelho, antes de me deitar
-Eu queria ser mulher pra que me fossem bem estes enleios,
Que num homem, francamente, não se podem desculpar.

Eu queria ser mulher para ter muitos amantes
E enganá-los a todos - mesmo ao predilecto -
Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto,
Com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes...

Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,
Eu queria ser mulher pra me poder recusar...

Ah, que te esquecesses sempre das horas
Polindo as unhas
-A impaciente das morbidezas louras
Enquanto ao espelho te compunhas...

A da pulseira duvidosa
A dos anéis de jade e enganos
-A dissoluta, a perigosa
A desvirgada aos sete anos...

O teu passado, sigilo morto,
Tu própria quasi o olvidaras
-Em névoa absorto
Tão espessamente o enredaras.

A vagas horas, no entretanto,
Certo sorriso te assomaria
Que em vez de encanto,
Medo faria.

E em teu pescoço
- Mel e alabastro -
Sombrio punhal deixara rasto
Num traço grosso.

A sonhadora arrependida
De que passados malefícios
-A mentirosa, a embebida
Em mil feitiços


Mário de Sá-Carneiro

" Não sei quantas almas tenho "


"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que eu sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue prevendo, O
que passou a esquecer.
Noto à margem do que li O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu"?
Deus sabe, porque o escreveu."

Fernando Pessoa

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Diz-me onde moras...(Miguel Esteves Cardoso)

"Um dos grandes problemas da nossa sociedade é o trauma da morada.

Por exemplo. Há uns anos, um grande amigo meu, que morava em Sete Rios, comprou um andar em Carnaxide.

Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha um problema. Era em Carnaxide.

Nunca mais ninguém o viu.
Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Mauritânia!

Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e Moscavide.
Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam pevide.
Um palácio com sessenta quartos em Carnide é sempre mais traumático do que umas águas-furtadas em Cascais.
É a injustiça do endereço.

Está-se numa festa e as pessoas perguntam, por boa educação ou por curiosidade, onde é que vivemos.
O tamanho e a arquitectura da casa não interessam.
Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, Brandoa, Cumeada, Agualva-Cacém, Abuxarda, Alformelos, Murtosa, Angeja… ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola.

Para não falar na Cova da Piedade, na Coina, no Fogueteiro e na Cruz de Pau. (...)
Ao ler os nomes de alguns sítios – Penedo, Magoito, Porrais, Venda das Raparigas, compreende-se porque é que Portugal não está preparado para entrar na CEE.

De facto, com sítios chamados Finca Joelhos (concelho de Avis) e Deixa-o-Resto (Santiago do Cacém), como é que a Europa nos vai querer integrar?

Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não é nada comparado com certos nomes portugueses.
Imagine-se o impacte de dizer "Eu sou da Margalha" (Gavião) no meio de um jantar. Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente "E a menina de onde é?",
e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho).
E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde mora, presentemente?",
Só para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da Chouriça (Estremoz).

É terrível. O que não será o choque psicológico da criança que acorda,
logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Vergão Fundeiro? Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome de uma versão transmontana do Garganta Funda.
Aliás, que se pode dizer de um país que conta não com uma Vergadela (em Braga), mas com duas, contando com a Vergadela de Santo Tirso?
Será ou não exagerado relatar a existência, no concelho de Arouca, de uma Vergadelas? É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra".
Ninguém é do Porto ou de Lisboa.

Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer mentir.
Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indicação de naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Oliveira do Bairro).
É absolutamente impossível explicar este acidente da natureza a amigos estrangeiros ("I am from the Fountain of Drink and Go Away...").

Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como sendo originário de Filha Boa Verá que não é bem atendido. (...) Não há limites.
Há até um lugar chamado Cabrão, no concelho de Ponte de Lima.

Urge proceder à renomeação de todos estes apeadeiros.
Há que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou então parecidos com os nomes dos restaurantes giraços, tipo Não Sei, A Mousse é Caseira, Vai Mais um Rissol. (...)

Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um percurso que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Sintra) passando pelo Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde), e acabando a comprar rebuçados em Bombom do "Bogadouro" (Ver nota) (Amarante), depois de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna (Lousã).

(Bogadouro é o Mogadouro quando se está constipado!!!)

(Miguel Esteves Cardoso)

domingo, 1 de fevereiro de 2009

..." Sou duro e bruto quando estou em queda " ...


Há dias durante um jantar de amigos, alguém que me conhece bem comentava que eu sou “duro e bruto quando estou em queda”.
Para ser sincero, tenho poucos amigos, por isso para além de amigos estavam também presentes algumas pessoas que me conhecem há já algum tempo e que acabaram por concordar com aquele comentário.

A minha amiga ABC, a quem nos últimos anos recorri sempre que me deparei com um desses grandes “vendavais”, dizia, com alguma razão, que em primeiro lugar nunca me acontece apenas uma coisa má, quanto vêm é em catadupa.
Tudo bem, até concordo!.

Depois existe aquela característica que, tal como qualquer pessoa normal não faz, eu sofro de uma forma alucinante embora não seja de todo visível.
A dor atinge-me de tal forma, que quando estou sozinho parece que hei-de chorar até me secarem as lágrimas, até me doerem as entranhas.
Ainda, para ajudar, aproveito e nesses momentos ponho sal em cima da ferida acabada de surgir, e nessa altura sofro tudo o que há para sofrer.
Vou ao fundo, perco a calma, a compostura, o amor-próprio, a noção dos limites, arranco a alma, até me cansar de mim próprio.

E depois….
Depois, e sem pré-aviso, acordo num dia em que tudo parece mais calmo, em que tudo fica subitamente bem e normal.
Nessa altura saio de um estado de quase putrefacção espiritual e de esgotamento físico, levanto a cabeça, respiro fundo, e reparo que a tal ferida esta a cicatrizar.

Diziam eles que eu sofro exactamente o mesmo que o resto das pessoas, mas muito mais intensamente e por um período de tempo muito mais curto.
Claro que ajuda o facto de estar sol, bem como uma série de outras coisas, mas ajuda sobretudo o facto de eu pensar que há duas coisas que me fazem chorar: tudo, e nada.

O tudo porque quando “choro” normalmente é pela dor da perda, da impotência, da injustiça. E quanto a essas dores, depois de muito sentidas, limito-me a conviver com elas.
O nada?.
Se é nada, é porque então não merece lágrimas.

Depois pode haver, de tempos a tempos, uma recaída já que uma cicatriz pode doer quando por exemplo o tempo muda.
Mas uma coisa é certa, esta nunca voltara a doer de uma maneira similar ao que doera anteriormente.