Isto não existe.
Nunca há um centro.
Não há um caminho, uma linha.
Existem vastos lugares onde se fazia crer que havia alguém, mas na realidade não havia ninguém.
Há a história de uma pequeníssima parte da minha juventude, escrita já a muito tempo..., que conta a travessia de um rio.
Hoje falo de algo semelhante. Se antes, falei dos períodos claros, daqueles mais iluminados. Agora falo dos períodos ocultos dessa mesma juventude, de certas opções que deram origem a certos factos, sobre certos sentimentos, sobre certos acontecimentos.
Comecei aqui a escrever, numa altura da vida, em que esta me impelia ao pudor.
Escrevi numa altura, em que para mim, as historias tinham um carácter muito pessoal...
Nessa época o vento parou e havida debaixo das árvores a luz sobrenatural que se segue à chuva.
Os pássaros gritavam com todas as forças, aguçavam o bico contra o ar frio, fazendo-o ressoar em todo o seu comprimento, de um modo quase ensurdecedor...As partidas. Eram sempre as mesmas partidas.
Eram sempre as mesmas partidas feitas pelo mar. A separação com a terra tinha-se feito sempre na dor e no desespero, mas isso nunca impediria os homens de partir.
Os descobridores, os homens com outro pensamento, ou aqueles que simplesmente buscavam outras paragens... partiram, mas essa partida, já há muito anunciada, nunca impediu as mulheres de os deixarem ir, elas que nunca iam, que fiavam a guardar a casa, os filhos, a raça, os bens, a razão de ser do regresso.
Durante séculos, os navios fizeram com que as viagens fossem mais lentas, também mais trágicas. A duração da viagem cobria o comprimento da distância de forma natural. Esperava-se, aquele vento, esperava-se uma aberta, o naufrágio anunciado, o sol, a morte...
Eu as vezes pergunto-me se alguma vez teria querido que as coisas se passassem assim... e nessa altura dentro de mim sinto que sim... A minha meiguice ficou inteira na dor da partida.
Não quero falar dessa dor, acho que no fundo nunca disse uma palavra sobre ela.
Às vezes a minha cara estremece, fecho os olhos e cerro os dentes. Mas calo-me sempre, e não me atrevo a falar sobre as imagens que vejo passar de fronte destes meus olhos fechados...
Rita Guerra
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