segunda-feira, 3 de agosto de 2009

... "Não tenhas medo meu amor" ...


Não tenhas medo do amor.
Pousa a tua mão devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão acrescer:
o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo.

A vida nunca foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.

Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros:
explode no teu coração um amor-perfeito,
será doce o seu pólen na corola de um beijo,
não tenhas medo, hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

Maria do Rosario Pedreira

domingo, 2 de agosto de 2009

... " Esta manha encontrei o teu nome " ...


Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele.

E o corpo doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha camisola;
e eu despi-a para ti, a dar-te um coração~que era o resto da vida

- como um peixe que respira na rede mais exausta.

Nem mesmo à despedida foram os gestos contundentes:
tudo o que vem de ti é um poema.

Contudo, ao acordar, a solidão sulcara um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo um trilho abandonado na paisagem.

Sentei-me na cama e repeti devagar o teu nome,
o nome dos meus sonhos, mas as sílabas caíam no fim das palavras,
a dor esgota as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.


Maria do Rosário Pedreira

... " Uma certa vida " - parte I


Sentia-se satisfeito com esta sua nova condição de "macho", mas no entanto essa sua aparente satisfação não era vinculativa do seus sentimentos enquanto homem, nem demonstravam qualquer felicidade.

No fundo não sabia quais eram os seus verdadeiros sentimentos pela sua actual vida. Havia dias em que sentia dificuldades em olhar para essa "vida" enquanto amante, talvez porque tinha tido a audácia de lhe contar coisas que só uma grande amiga podia saber... Conheciam-se a demasiado tempo, mas ao mesmo tempo parecia que tinha sido ontem....

Nele residia uma intensa necessidade de viver, de sentir aquele mistério que envolve o primeiro olhar, o primeiro beijo, a primeira caricia, o primeiro passo... antes da entrega total.

Há muito que procurava uma mulher, uma amiga, que se entregasse de uma forma louca e total.

Alguém a quem fosse possível pedir algo diferente, pessoal e único, alguém que tivesse a capacidade de satisfazer esses desejos mais loucos e perversos. Ás vezes basta um olhar para sabermos que o passo seguinte pode ser o WC feminino de um qualquer estabelecimento, ou aquele beco sem saída, escuro ao cair da noite... era no fundo tudo uma questão de olhares.

Á medida que as noites passavam as fantasias que cada um preparou foram sendo postas de parte. A noite cada um dava asas a imaginação de molde a combater qualquer sensação de monotonia, saturação, ausência de vontade.

Lembro-me de que dormiram juntos, pela primeira vez, ainda gatinhavam arrastando as fraldas pelo soalho frio. Nessa altura todos os barulhos eram motivo de brincadeira, e sempre que possível tocávamos os seus corpos de forma tão inocente... e aquilo que em tempo foi a descoberta de " um mundo novo " hoje é apenas mais um ritual. Quando tinham "conversas serias" diziam sempre que nunca se casariam e que dizer a alguém "eu te amo" estaria fora de qualquer questão. Beijar na boca então, nem pensar, só de imaginar que o contacto dos lábios poderiam levar a transmissão de tantos milhares de bactérias, seria definitivamente demasiado arriscado para os seus pequenos organismos indefesos.

Ao principio saiam para passear, jantar fora e ao fim da noite cada um regressava para a sua casa, até... que o sol voltasse a despontar no horizonte na manha seguinte.

Agora tudo era diferente...

..." Quem sou eu? " ...


Sou um adolescente com a força de homem.
Um homem com a franqueza de uma criança.
A minha inocência esconde uma paixão intensa pelo constante evoluir, pelo escutar, pelo apreender.
A minha aparência, aparentemente frágil, esconde uma rocha que não desiste de se conhecer e redescobrir, por mais difíceis que sejam os desafios da vida com que me deparo.
A minha força esconde medos, e alguns fascinios, receios do que está para vir.
A minha aparência, embora aparentemente segura, encobre um cérebro repleto de dúvidas e incertezas, por mais simples que pareçam os problemas.
Mas a minha mente confusa é capaz de estruturar pensamentos lógicos e profundamente consistentes.
Sou assim um ser simples, que chora e ri, e que gosta de viver, amar e ser amado...
Eu sou..., talvez um eterno caminhante...

sábado, 1 de agosto de 2009

... " Querer " ...



Ele apenas queria amá-la um pouco mais do que ela lhe pedia. Queria ser um bom pai, um bom namorado, um bom amante, apenas queria...

Ele "só" queria tantas, e tantas coisas, que acabou por se transformar num estorvo.

Como pode um ser deixar-se afundar, sem tentar esbracejar para vir a superfície? Como pode um ser humano deixar-se arrastar pela corrente da vida, sem sequer tentar agarrar-se à vida?.

Como se pode caminhar em direcção ao precipício de olhos vendados, como se estivesse de costa para a vida?. Na realidade tudo é possível, mesmo que tudo nos indique o sentido oposto.

De que lhe serviram tantas horas fora de casa?, de que lhe serviu andar no meio de montes de papeis rabiscados com pedidos de clientes, facturas, notas de credito?.

Apesar de tantos esforços, após anos e anos a fazer a mesma coisa, no ritmo frenético que os outros lhe impuseram, fizeram com que se transformasse num ser freneticamente criado para si próprio. Por ele passaram os dias sem que desse conta que isso o estava a destruir, fosse qual fosse a direcção que tomasse. Ele sentia que aquilo estava a acabar consigo, de uma forma quase paulatina. Mas se o dinheiro não era tudo ..., como poderiam passar mais tempo juntos se não sabiam o que ambos queriam... eram dois desconhecidos a viver sob o mesmo tecto.

Quando um dizia uma coisa, o outro refutava sem qualquer explicação. Quando um dizia para a esquerda, o outro dizia automaticamente para a direita, e assim sucessivamente até se fartarem de discutir e um saísse porta fora.

Foram aprendendo a viver na solidão que criaram, cada um no seu lado do sofá, com a vida sempre no meio. Lembro-me que ela, a vida, era muito ciumenta e nunca os deixou andar de braço dado, não suportava que tivessem atitudes de carinho um com o outro...

No fundo sempre houve uma desculpa para que o vazio entre ambos fosse cada vez maior...