terça-feira, 23 de junho de 2009

" A Carta que nunca te escrevi "



Sabes,

Há mais de um ano que estou a escrever esta carta.

Por norma escrevo-te mentalmente enquanto conduzo, quando livremente carrego no pedal do acelerador do carro e no rádio toca insistentemente uma qualquer musica que me faz levitar, sonhar….

Mas se tantas vezes pensei em escrever-te esta carta, a verdade é que tantas vezes desisti após as primeiras linhas.

Inicialmente pensei em te escrever uma carta, daquela forma bem antiga, que transporta sonhos e sentimentos, dentro de um envelope fechado com um selo bem colado, que chega ao destinatário, na maioria das vezes, dobrada e cheia de marcas de tanto andar na mala de um qualquer carteiro desta nossa cidade.

Pensei em escrever-te uma carta anónima mas que trouxesse nela a essência do meu eu, de molde a que só tu me conhecesses. Isto no pressuposto que tu me conheces. Será que realmente alguma vez me conheces-te?. Na realidade hoje acho que não…

Tantas vezes comecei e tantas vezes acabei por amarrotar as palavras, que mentalmente se acumulavam na minha cabeça, e as deitei fora.

As vezes parece que a caneta já não consegue transpor para o papel os sentimentos da mesma forma que antes o fazia, talvez fruto do dito progresso tecnológico, agora escrevo no computador os sonhos, os desejos, ao mesmo tempo que descarrego a raiva, as frustrações.
Enquanto isso ao canto desta secretária deixo ficar a velha caneta de aparo e o papel que aguarda pacientemente por um dia em que a inspiração chegue e neles novamente pegue, e para eles passe a minha vida e o meu novo sentir.

Mas o porque de te escrever aqui e agora?.

Talvez porque hoje, dia 4 de Maio, faz precisamente um ano em que me vi impelido, por ti, para sair definitivamente da tua vida, e talvez também porque sei que provavelmente nunca irás ler esta minha carta, mas se por acaso a leres nunca a poderás rasgar, destruir ou mesmo esconder numa qualquer gaveta dessa tua escrivaninha.

Assim esta aqui ficará para todo o sempre, para toda a eternidade como testemunho da pessoa que sou, do que hoje quero, da saudade que já não tenho e da tristeza profunda que um dia senti. Aqui onde nem tu nem ninguém a poderá destruir.

Escrevo-te pois aqui, onde alguns anónimos e outros conhecidos, embora muitos sem rosto como eu, passam e podem ler o que só hoje te escrevo, e desta forma conhecerem um pouco mais de mim, se calhar mais do que tu alguma vez quiseste conhecer.

Sabes, existi tanta coisa que te queria dizer, assim frente a frente sem discussões, gritos, insultos, olhando só nesses teus olhos verdes ao mesmo tempo que tentaria decifrar o que vai na tua mente, nessa mente tão magoada eu sei, porque só uma mente assim, insegura e magoada tem uma capacidade infinita, como por vezes tu tens, de magoar repetida e deliberadamente alguém que afinal nunca te quis mal nenhum.

Alguém que um dia pensou que o querias muito, a quem procuras-te sempre que precisas-te, para depois de repente e sem motivo, deixares de querer, de procurar, ou simplesmente só procurares quando te apetecia como que num rasgo de sadismo disses-te-me: - "o que é meu, nunca será de outra, mesmo que seja eu que não queira, mesmo que queira mas tenha medo, mesmo que não procure mais, ficará assim, dependente de mim e do meu querer".

Entender-te?. Não, isso já não é possível, tens uma forma de ser que talvez só tu mesmo entendas. Se é que tu alguma vez te entendes…

Por vezes és meiga, carinhosa, toda envolvente, voluntariosa, mas logo a seguir distante, fria, só, castigadora, castradora, provocadora, fugitiva, desaparecida…

Há mais de dez anos pediste-me, com aquela voz baixa, melosa e pausada, num tom bem carinhoso e melancólico "confia em mim, por favor...confia, dá-me um filho, por favor….", olhando-me com esses olhos verdes meigos e só teus... e eu?, eu confiei!.

Não me arrependi, isso nunca. O que vivi foi bom demais, o que sinto até hoje por esses seres, é forte demais para qualquer arrependimento. Mas na realidade as recordações poderiam ser mais bonitas, mais reconfortantes...as memórias tão mais quentes e alegres, o sentimento que restou tão mais significativo

Por isso hoje te digo, nunca mais digas a alguém: "Confia..." se depois vais destruir toda a confiança e vais magoar tanto e tão profundamente quem um dia pediste que confiasse em ti. Arranja outra forma de conseguir o que realmente queres, mas não peças para que confiem em ti.

Sabes, a confiança é algo tão frágil quanto precioso, é algo tão profundo quanto difícil de dar, é algo que quando acaba, nunca mais volta, e como tal faz com que a vida e os sentimentos mudem para sempre, ficamos mais tristes, mais desiludidos, mais desesperançados, mais sozinhos…

Não jogues com os sentimentos das pessoas dessa forma inconsequentemente, sem olhares para o lado, sem te importares com o resto, de forma tão displicente.

Não acabes com a confiança, com o respeito, com a vontade de quem ainda pode gostar de ti. Não queiras roubar a alma, o coração, a vida para depois, tão simplesmente, os deixares ali… abandonados e desventrados no meio da rua.

Sabes, se continuares assim, um dia vais encontrar-te sozinha, sem amor, sem ternura, sem sentimento, de alma e coração vazio, e depois quando quiseres voltar atrás, vai ser tarde de mais.

Tarde demais para viver, para amar, para gostar, para te entregares, para seres tu, de vida completa e cheia…

Sei que vai ser triste um dia encontrar-te, olhar-te nos olhos e ver tristeza e arrependimento. No fundo sei que um dia isso vai inevitavelmente acontecer... um dia... e aí, vou ter tanta pena de ti... que vou chorar pelo que não foste, pelo que não sonhámos, pelo que não vivemos....porque tu...sempre tu...fugiste de ti mesma, e eu… vou dar a mão aos nossos filhos e seguir em frente… continuar este meu novo caminho.

Fica bem…

Deste teu, antigo, amigo.